sábado, 6 de setembro de 2008

História - O regime militar no Brasil

Regime Militar
por
Bolívar Lamounier, com a colaboração de
O. Amorim Neto e
J. L. de Mattos Dias
O regime militar nasceu de um golpe de estado desfechado a 31 de março de 1964 contra o presidente João Goulart. Apoiaram o golpe os partidos conservadores (PSD e UDN), o empresariado, os proprietários rurais e a classe média urbana, unidos, acima de tudo, para dar combate ao comunismo e à corrupção. As causas imediatas do colapso do regime da Carta de 1946 são assim resumidas por José Guilherme Merquior: "Instabilidade governamental, desintegração do sistema partidário, virtual paralisia da capacidade decisória do Legislativo, atitudes equívocas por parte do presidente Goulart, quando nada com respeito à sucessão; a ameaça representada por uma reforma agrária mal definida; inquietação militar em face da tolerância do governo aos motins dos sargentos; e radicalismo crescente, tanto da direita como da esquerda (...), tudo isto complementado pela inflação em alta e, naturalmente, pelo fantasma assustador da revolução cubana" ("Patterns of State Building in Brazil and Argentina," in Hall, J.A organizador, States in History, London; Blackwell, 1986, p. 284).
O novo regime, todavia, evitou uma ruptura completa com os fundamentos constitucionais da
democracia representativa. Embora tenha abolido já de início as eleições diretas para a Presidência e posteriormente para os governos estaduais e principais prefeituras, manteve a periodicidade e a exigência de um mínimo de legitimação democrática para esses mandatos, por meio da eleição indireta pelo Congresso ou pelas assembléias, conforme o caso. Ademais, os líderes militares reiteraram, diversas vezes, a intenção de permanecer por pouco tempo no poder.
A partir de 1968, em resposta à pressão do movimento estudantil e ao início da luta armada por parte de setores radicalizados da
oposição, o regime militar se enrijece, passando o País pelo período de maior repressão política de sua história sob a presidência do general Garrastazu Médici (1969-1974). Estes fatos acabaram se sobrepondo à intenção inicial dos militares de permanecer pouco tempo no poder. Aos militares, contudo, faltava uma idéia clara sobre as reformas econômicas e político-institucionais que teriam de implantar com seu prolongamento no poder. O sistema militar tampouco podia propor-se como definitivo, pois isso implicaria romper definitivamente as pontes que lhe asseguravam um mínimo de legitimidade.
Com a ascensão do general Geisel à Presidência, em março de 1974, tem início a chamada "abertura gradual", cujo objetivo era afrouxar pouco a pouco as amarras ditatoriais do regime e, assim, evitar confrontos traumáticos. A característica principal do processo de abertura patrocinado por Geisel foi seu extremo gradualismo, seu caráter por assim dizer experimental e, por conseguinte, a permanente incerteza que durante vários anos pairou quanto a seus rumos e até mesmo quanto à sua continuidade.
Ainda em 1974, realizaram-se eleições para o Congresso, num momento em que ninguém duvidava de mais uma tranqüila vitória do partido do governo, a Arena. O resultado foi o inverso: uma rotunda derrota para o governo. O MDB cresceu de 12% para 30% do Senado, conquistando 16 das 22 cadeiras em disputa e de 28% para 44% na Câmara dos Deputados. A magnitude dos ganhos da oposição trouxe para primeiro plano duas dificuldades que as diretrizes iniciais da abertura não haviam contemplado: (1) a possibilidade de um novo impasse institucional, dado o caráter bipartidário do sistema; e (2) os votos oposicionistas achavam-se fortemente concentrados nos estados economicamente mais dinâmicos do País. Com a eleição de 1974, o governo viu-se, então, diante de pressões contraditórias: de um lado, a necessidade de começar a construir pontes com a sociedade civil, tendo em vista a magnitude e os contornos nitidamente plebiscitários (antigoverno) do crescimento eleitoral do MDB; de outro, a necessidade de preservar a coesão política do campo governista e, especialmente, das
Forças Armadas.
Uma das alternativas adotadas pelo regime para fazer frente à crescente onda oposicionista foi manter o elevado ritmo de crescimento econômico, iniciado em 1967, ainda que a necessidade de desaquecer a economia já começasse a se tornar evidente.
A sucessão do general Geisel pelo general João Baptista de Oliveira Figueiredo, no início de 1979, concluiu de maneira frustrante uma etapa do processo de liberalização. Frustrava-se a expectativa de que a sucessão representasse a culminação do processo de abertura e conduzisse o País diretamente à plenitude democrática, sinalizando o regime que decidira prolongar a estratégia "gradual e segura" de abertura política. Todavia, importantes demandas da oposição - como a anistia a todos os cidadãos antes punidos com cassação e perda dos direitos políticos, bem como aos exilados por participação em ações armadas, e o restabelecimento praticamente total da liberdade de imprensa - foram atendidas em 1978/79.
Em dezembro de 1979, o governo promove a reforma partidária - também reclamada por líderes oposicionistas que não desejavam integrar-se ao MDB. Ao fazê-la, o governo dava ao mesmo tempo um grande passo para desfazer a velha frente de oposições e livrar-se do impasse plebiscitário embutido na estrutura bipartidária. No começo da década de 80, cinco novos partidos conseguem se firmar na arena política: PDS (partido do governo), PMDB, PT, PDT e PTB. Estes partidos disputaram, em 1982, as primeiras eleições diretas para governador desde 1965, casadas com as eleições para o Congresso e para as assembléias estaduais. Contados os votos, constatou-se que o processo eleitoral continuava praticamente bipartidário, e que a oposição elegera dez dos 22 governadores, inclusive os de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O enfrentamento plebiscitário que se quisera eliminar com a reforma partidária de 1979 estava de volta, agora num contexto de aguda recessão, crescente desemprego e visíveis sinais de debilitamento entre importantes lideranças políticas do regime.
Tendo conquistado os principais governos estaduais, a oposição passou a dispor de suportes de poder suficientes para tentar fazer o sucessor do general Figueiredo. Absorvendo deserções das hostes do partido do governo e sabendo capitalizar a energia cívica mobilizada pelo frustrado movimento a favor de eleições diretas para presidente (desencadeado no primeiro trimestre de 1984), a oposição, empunhando a candidatura de Tancredo Neves, do PMDB mineiro, um político moderado e conciliador, logrou formar a maioria necessária para vencer a disputa sucessória no Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985, encerrando o ciclo dos governos militares.
períodos
colônia monarquia primeira república
revolução de 1930 estado novo regime militar

História - O golpe militar de 1964

O golpe de 1964
Fatos e Imagens
Na madrugada do dia 31 de março de 1964, um golpe militar foi deflagrado contra o governo legalmente constituído de João Goulart. A falta de reação do governo e dos grupos que lhe davam apoio foi notável. Não se conseguiu articular os militares legalistas. Também fracassou uma greve geral proposta pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) em apoio ao governo. João Goulart, em busca de segurança, viajou no dia 1o de abril do Rio, para Brasília, e em seguida para Porto Alegre, onde Leonel Brizola tentava organizar a resistência com apoio de oficiais legalistas, a exemplo do que ocorrera em 1961. Apesar da insistência de Brizola, Jango desistiu de um confronto militar com os golpistas e seguiu para o exílio no Uruguai, de onde só retornaria ao Brasil para ser sepultado, em 1976. Antes mesmo de Jango deixar o país, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, já havia declarado vaga a presidência da República. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a presidência, conforme previsto na Constituição de 1946, e como já ocorrera em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. O poder real, no entanto, encontrava-se em mãos militares. No dia 2 de abril, foi organizado o autodenominado "Comando Supremo da Revolução", composto por três membros: o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o general Artur da Costa e Silva, representante do Exército e homem-forte do triunvirato. Essa junta permaneceria no poder por duas semanas.
Nos primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão atingiu os setores politicamente mais mobilizados à esquerda no espectro político, como por exemplo o CGT, a União Nacional dos Estudantes (UNE), as Ligas Camponesas e grupos católicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Milhares de pessoas foram presas de modo irregular, e a ocorrência de casos de tortura foi comum, especialmente no Nordeste. O líder comunista Gregório Bezerra, por exemplo, foi amarrado e arrastado pelas ruas de Recife.
A junta baixou um "Ato Institucional" – uma invenção do governo militar que não estava prevista na Constituição de 1946 nem possuía fundamentação jurídica. Seu objetivo era justificar os atos de exceção que se seguiram. Ao longo do mês de abril de 1964 foram abertos centenas de Inquéritos Policiais-Militares (IPMs). Chefiados em sua maioria por coronéis, esses inquéritos tinham o objetivo de apurar atividades consideradas subversivas. Milhares de pessoas foram atingidas em seus direitos: parlamentares tiveram seus mandatos cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos suspensos e funcionários públicos civis e militares foram demitidos ou aposentados. Entre os cassados, encontravam-se personagens que ocuparam posições de destaque na vida política nacional, como João Goulart, Jânio Quadros, Miguel Arraes, Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes. Entretanto, o golpe militar foi saudado por importantes setores da sociedade brasileira. Grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da Igreja católica, vários governadores de estados importantes (como Carlos Lacerda, da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de São Paulo) e amplos setores de classe média pediram e estimularam a intervenção militar, como forma de pôr fim à ameaça de esquerdização do governo e de controlar a crise econômica. O golpe também foi recebido com alívio pelo governo norte-americano, satisfeito de ver que o Brasil não seguia o mesmo caminho de Cuba, onde a guerrilha liderada por Fidel Castro havia conseguido tomar o poder. Os Estados Unidos acompanharam de perto a conspiração e o desenrolar dos acontecimentos, principalmente através de seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon, e do adido militar, Vernon Walters, e haviam decidido, através da secreta "Operação Brother Sam", dar apoio logístico aos militares golpistas, caso estes enfrentassem uma longa resistência por parte de forças leais a Jango. Os militares envolvidos no golpe de 1964 justificaram sua ação afirmando que o objetivo era restaurar a disciplina e a hierarquia nas Forças Armadas e deter a "ameaça comunista" que, segundo eles, pairava sobre o Brasil. Uma idéia fundamental para os golpistas era que a principal ameaça à ordem capitalista e à segurança do país não viria de fora, através de uma guerra tradicional contra exércitos estrangeiros; ela viria de dentro do próprio país, através de brasileiros que atuariam como "inimigos internos" – para usar uma expressão da época. Esses "inimigos internos" procurariam implantar o comunismo no país pela via revolucionária, através da "subversão" da ordem existente – daí serem chamados pelos militares de "subversivos". Diversos exemplos internacionais, como as guerras revolucionárias ocorridas na Ásia, na África e principalmente em Cuba, serviam para reforçar esses temores. Essa visão de mundo estava na base da chamada "Doutrina de Segurança Nacional" e das teorias de "guerra anti-subversiva" ou "anti-revolucionária" ensinadas nas escolas superiores das Forças Armadas.
Os militares que assumiram o poder em 1964 acreditavam que o regime democrático que vigorara no Brasil desde o fim da Segunda Guerra Mundial havia se mostrado incapaz de deter a "ameaça comunista". Com o golpe, deu-se início à implantação de um regime político marcado pelo "autoritarismo", isto é, um regime político que privilegiava a autoridade do Estado em relação às liberdades individuais, e o Poder Executivo em detrimento dos poderes Legislativo e Judiciário.
Já no início da "Revolução" ficou evidente uma característica que permaneceria durante todo o regime militar: o empenho em preservar a unidade por parte dos militares no poder, apesar da existência de conflitos internos nem sempre bem resolvidos. O medo de uma "volta ao passado" (isto é, à realidade política pré-golpe) ou de uma ruptura no interior das Forcas Armadas estaria presente durante os 21 anos em que a instituição militar permaneceu no controle do poder político no Brasil. Mesmo desunidos internamente em muitos momentos, os militares demonstrariam um considerável grau de união sempre que vislumbravam alguma ameaça "externa" à "Revolução", vinda da oposição política. A falta de resistência ao golpe de 1964 não deve ser vista como resultado da derrota diante de uma bem articulada conspiração militar. Foi clara a falta de organização e coordenação entre os militares golpistas. Mais do que uma conspiração única, centralizada e estruturada, a imagem mais fidedigna é a de "ilhas de conspiração", com grupos unidos ideologicamente pela rejeição da política pré-1964, mas com baixo grau de articulação entre si. Não havia um projeto de governo bem definido, além da necessidade de se fazer uma "limpeza" nas instituições e recuperar a economia. O que diferenciava os militares golpistas era a avaliação da profundidade necessária à intervenção militar. Desde o início havia uma nítida diferenciação entre, de um lado, militares que clamavam por medidas mais radicais contra a "subversão" e apoiavam uma permanência dos militares no poder por um longo período e, de outro lado, aqueles que se filiavam à tradição de intervenções militares "moderadoras" na política – como havia acontecido, por exemplo, em 1930, 1945 e 1954 – seguidas de um rápido retorno do poder aos civis. Os mais radicais aglutinaram-se em torno do general Costa e Silva; os outros, do general Humberto de Alencar Castelo Branco. Articulações bem-sucedidas na área militar de um grupo de oficiais pró-Castelo e o apoio dos principais líderes políticos civis favoráveis ao golpe foram decisivos para que, no dia 15 de abril de 1964, Castelo Branco assumisse a presidência da República, eleito, dias antes, por um Congresso já bastante expurgado. O novo presidente assumiu o poder prometendo a retomada do crescimento econômico e o retorno do país à "normalidade democrática". Isto, no entanto, só ocorreria 21 anos mais tarde. É por isso que 1964 representa um marco e uma novidade na história política do Brasil: diferentemente do que ocorreu em outras ocasiões, desta vez militares não apenas deram um golpe de Estado, como permaneceram no poder.
Celso Castro



Sugerimos a leitura dos verbetes
Atos Institucionais, Ligas Camponesas, Revolução de 1964, Comício das Reformas e Marcha da família com Deus pela liberdade que se encontram disponíveis nas páginas do Dicionário Histórico-Biografico Brasileiro.




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História - A ditadura militar no Brasil

A DITADURA MILITAR E SEUS MOTIVOS
Duas obras literárias de autores distintos são destrinchadas no intuito de perseguir os porquês do golpe de 64 e seus (des)caminhos
por Rodrigo Herrero (
rodrigo@rabisco.com.br)
Castelo Branco, o primeiro presidente da ditadura militar
Brasil enfrentou de 1964 a 1985 um dos períodos mais obtusos de toda a sua história. Trata-se da ditadura militar, imposta com apoio da burguesia nacional reacionária e com grande contribuição, inclusive bélica, do capitalismo estrangeiro. E para aprofundar apropriadamene esta rápida e introdutória definição do tema, nada melhor do que as valiosas contribuições de dois ícones dos pensar tupiniquim para o entendimento do maior fenômeno histórico-nacional de nosso século XX.
A primeira obra é Vida e Morte da Ditadura (Vozes, 1984), do historiador e militar da reserva Nelson Werneck Sodré. Um livro que estabelece as condições para a implantação do regime fascista, como ele denomina a ditadura vivida no país, além de enfatizar a influência do imperialismo – leia-se Estados Unidos, na visão do autor – para a constituição e consolidação do golpe no país.
O outro trabalho pertence ao sociólogo Florestan Fernandes e tem o título de A Ditadura em Questão (T.A. Queiroz, 1982). A análise perpassa na aliança da burguesia nacional com os golpistas como base sólida de sustentação para o sucesso do regime, enquanto este teve gás para manter-se. Outro aspecto interessante do livro está nos mecanismos adotados pela cúpula militar para tentar impor um ar “democrático” a algo totalmente despido destas premissas, como no caso da liberalização outorgada, a manipulação dos partidos ou até mesmo a institucionalização da violência nos famosos “anos de chumbo”.
Segundo ambos os trabalhos, a questão do imperialismo crava profundas marcas na história do regime, como parte de uma aliança de três pontas, defendida pelos autores como condição sine qua non para o período ditatorial: o exército brasileiro, a burguesia nacional e a burguesia estrangeira, principalmente dos EUA, que possuía interesses óbvios nesta região. Uma das explicações de Sodré passa justamente pelo momento histórico pós-Segunda Guerra Mundial e, portanto, anterior até mesmo ao dia 31 de março de 1964.
AS CONDIÇÕES QUE GERARAM A “REVOLUÇÃO BRASILEIRA”
Com a derrota do nazismo alemão, do fascismo italiano e do militarismo japonês para os aliados, as forças fascistas que cresciam no Brasil, em particular dentro do exército, perderam espaço para o conservadorismo “democrático” que a burguesia tradicional tanto desejava manter. Além disso, União Soviética e Estados Unidos saíram vitoriosos da guerra, cada um, porém, seguindo um caminho diferente do outro. Os EUA, defendendo a propriedade, o capitalismo e a liberdade como balizas fundamentais do crescimento econômica. Já a ex-URSS tinha sua ideologia solidificada no comunismo, buscando a horizontalidade nas relações econômicas e sociais, algo totalmente diverso do que o american way of life pregaria a partir da década de 50.
Isto fez com que o mundo se dividisse, ao menos imaginariamente, em dois: uns países do lado dos Estados Unidos e seus dogmas capitalistas e outros, de maior proximidade ao poderio comunista da então União Soviética. E o Brasil, com seu papel estratégico na América do Sul, tinha a obrigação de se posicionar. Assim, Washington fez de tudo para trazer os brasileiros para junto de suas convicções e anseios.
ANTI-COMUNISMO
A campanha do comunismo como o monstro e causa de todos os males estava colocada e foi levada à exaustão pela mídia durante aqueles anos, apoiada por políticos e militares. Isso tanto é verdade e solidificou-se de tal maneira que no Brasil o medo dos ideais igualitários se tornou algo por demais assustador. De tão arraigado, qualquer um que cismar em falar de comunismo já será visto de forma estigmatizada e julgada sob pré-conceitos capitalistas ocidentais desprovidos de reflexão dialética, mesmo hoje em dia, com supostos ares democráticos nos embalando.
Presidente Ernesto Geisel(à dir.) e General Médici, seu antecessor na Presidência
Com tudo isto, qualquer sinal de movimentação democrática nos anos que se seguiram foram massacrados aterradoramente pelo discurso do senso comum burguês, erguendo à condição de “comunista” toda e qualquer pessoa que defendesse os ideais democráticos e libertários que poderia crer. Por conta desta pseudoameaça foi instaurada no Brasil a “Revolução Brasileira” (que possui este nome entre os historiadores, dadas as suas características marcantes de uma revolução), com o propósito de “livrar o país do comunismo”, mergulhando a nação num dos períodos mais nebulosos e trágicos de toda a nossa história recente.
O golpe contou com grande participação do chamado imperialismo, devido ao plano de controlar os governos dos países latino-americanos, impedindo que a “praga comunista” os contaminasse, como “ocorrera” com Cuba, com a revolução socialista de 1959. Esse “controle” procurava manter governantes alinhados com a proposta imperial, isto é, de dependência ao mercado externo, e fortalecer as culturas primárias de exportação.
Com isto, como Sodré afirma em seu livro, vultuosas verbas orçamentárias dos Estados Unidos eram destinadas e tropas enviadas ao sul da América, para treinamento de soldados, práticas da tortura, etc. Mas todo esse dinheiro retornava à esperta família Sam através das vendas de produtos estadunidenses nestes locais, que se comprometiam – obrigatoriamente, diga-se – a adquirir os manufaturados do Império.
OS MECANISMOS DO REGIME PARA MANTER-SE NO PODER
Com este cenário estabelecido, fazia mister criar as condições para ampliar os poderes obtidos com a derrubada do governo democrático de João Goulart e a subida do general Castelo Branco à Presidência da República. Justificados na burguesia que via a ditadura como uma benção ante o avanço democrático que vivia o país, os militares impuseram todo o tipo de arbitrariedade em suas ações. Governaram através de decretos-lei, sem precisar passar pelo Legislativo, expurgando funcionários públicos e políticos que ameaçavam os interesses do regime, ao mesmo tempo que mantinha uma relativa liberdade de imprensa e firmava pontes com posições amenas da esquerda nacional. Assim, Castelo Branco e a ala “branda” (se é que pode receber tal nome) da ditadura aumentavam seu poder.
Mas, como diria Sodré, o “aperfeiçoamento da ditadura” ocorreu em fins de 1968, com a instauração do mais conhecido ato institucional imposto durante o regime, o AI-5. Com isto, a ponte foi sabotada e todas as possibilidades de negociações entre governo ditatorial e oposição foram minadas com a extinção dos partidos políticos e a criação de mecanismos contra a realização de greves. Mesmo assim, para tentar demonstrar tolerância e também sabotar a articulação da oposição, foram criados dois partidos: a Arena (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Só que essa concentração do inimigo em um só dos lados seria prejudicial aos militares num futuro próximo.
Prosseguindo com as contradições, o Congresso era aberto e fechado à revelia dos mandatários, a imprensa fora censurada e as perseguições políticas intensificadas, com o aumento de torturas, assassinatos e desaparecimentos de pessoas, institucionalizando, assim, a violência contra quem ousasse questionar o regime. Tudo isso ocorreu principalmente durante 1969-74, período em que a ditadura mostrou sua face mais ríspida e também, como contraste, a pele mais graciosa de um crescimento econômico fictício.
Durante esse tempo os militares viveram em lua de mel com a burguesia reacionária. Isso porque, com o “milagre econômico” – plano de abertura total e irrestrita do mercado nacional, implementado por Antônio Delfim Neto, então Ministro da Fazenda, que possibilitou ao país crescer vertiginosamente – a classe média teve acréscimo substancial em seu poder aquisitivo, possibilitando comprar vários artigos importados dos EUA. Enquanto isso a população pobre se distanciava ainda mais nos índices econômicos das poucas pessoas que possuíam muito, acentuando perigosamente a desigualdade social.
Ocorre que, esse tão propalado milagre estava com seus dias contados desde sua implantação. Era impossível manter o mercado brasileiro aberto e desprotegido daquela forma, contraindo empréstimos e cedendo vantagens a empresas estrangeiras, sem causar um rombo nas contas públicas e crescimento inimaginável da inflação e da dívida externa. Tal fato tornou-se mais evidente quando da crise mundial do petróleo, em 1973. Muitas nações, como o Brasil, quebraram e economias inteiras tiveram de ser remodeladas, abrindo espaço para premissas neoliberais, em contrapartida aos métodos keynesianos que estavam em voga na Europa desde a última guerra mundial.
Presidente Ernesto Geisel e general João Figueiredo, que viria a sucedê-lo na presidência.
A DERROCADA DA DITADURA
A crise do petróleo foi um duro golpe para os militares que, já sem o mesmo apoio da burguesia, com sérias divisões internas e sofrendo pressões, mesmo que diminutas, da população quanto às atrocidades do AI-5, foram levados a uma saída estratégica da ditadura, como colocaria Sodré. A saída encontrada por eles estava na chamada “abertura, lenta, gradual e segura” proposta durante o governo do general Ernesto Geisel, em meados da década de 70.
Esta “abertura” consistia, na verdade, em conceder determinados direitos à população, mas sem abrir deliberadamente o acesso às esferas políticas do regime. Trata-se da liberalização outorgada, exaustivamente debatida por Florestan Fernandes em sua obra, que, metaforicamente, seria algo como soltar o gado no pasto, manejando-o com o cão. Encaminhar o país a uma “volta à democracia”, porém sem revoluções, guerras, brigas, mantendo as coisas como estavam, apesar dos somente aparentes rumos libertários que a nação parecia tomar.
Este intento foi amplamente apoiado pela burguesia e por outros que compartilhavam as opiniões do regime, chamados por Florestan Fernandes de “consenso nacional”. Este consenso desejava ver “a desagregação da ditadura sem rupturas e sem conflitos profundos no seio da própria burguesia”. Caso contrário, como asserta o autor, isto colocaria sua supremacia em risco e abriria espaço para as classes menos abastadas lutarem por melhorias significativas e almejarem tomar o poder.
Outro mecanismo adotado, já na década de 80, foi estabelecer a “reforma dos partidos”, incentivando a criação de novos partidos políticos e o retorno dos antigos. Isto, na verdade, mostrava o interesse dos militares em renovar sua “cara” perante o povo, pois levavam sucessivas “surras eleitorais” nos pleitos menores. Com isto o Arena se transformou em PDS (Partido Democrata Social), enquanto a oposição se espalhou entre o MDB, mudado para PMDB, o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o PDT (Partido Democrata Trabalhista) e o PT (Partido dos Trabalhadores), entre outros menos significativos. Com esta divisão entre os opositores, a ditadura pretendia obter território nas eleições posteriores, para prosseguir no controle até os últimos suspiros de um regime que não tinha mais para onde ir.
À FRENTE DO LEME
Tanto Vida e Morte da Ditadura como A Ditadura em Questão mostram como os militares foram perspicazes na ação para a tomada do poder, contando com as ajudas já citadas, pois perceberam as debilidades democráticas do Brasil naquele período, que vivia perdido em políticos conservadordes com roupagens populistas. Os militares tencionavam instar a nação a uma condição de maior ordem política e econômica, impondo um governo autocrático burguês, como definiu Fernandes, para depois devolver o leme brasileiro às forças democrático-burguesas, que nunca deixaram de controlar o navio, apenas o dirigiram à distância.

Sociologia - Educação, trabalho e cidadania

RELAÇÃO: EDUCAÇÃO, TRABALHO E CIDADANIA
PORTELA, Josania Lima.
Universidade Federal do Ceará
RESUMO: O objetivo deste artigo é abordar a relação educação, trabalho e cidadania na
contemporaneidade. Para isso enumeramos as características básicas da cidadania e sua
construção história inserindo nesta análise o trabalho e a educação como seus pilares
fundamentais. Estabelecemos os pressupostos básicos e, em seguida, o processo histórico
de construção da cidadania demonstrando a proposta de cidadania na Antigüidade, na Idade
Média, na Idade Moderna e na atualidade. Na Idade Moderna relacionamos a cidadania ao
nascimento do capitalismo e na atualidade contrapomos cidadania e neoliberalismo.
Discutimos a conquista da cidadania no Brasil contemporâneo e as ações governamentais
na área de trabalho e educação que visam a promoção da mesma.
1.1 - Para Falar em cidadania...
Para falar em cidadania temos que nos deter dentro de um espaço geográfico
delimitado, pois ser cidadão tem dimensões diferentes de acordo com o ideal de homem
que se tem, inerente a cada sociedade. Isto fica bem evidente quando, na carta escrita pelos
índios das Seis Nações, enviada aos governantes dos Estados da Virgínia e de Maryland,
nos Estados Unidos, os mesmos recusam uma oferta feita por eles para que enviem seus
jovens à escola dos brancos, transcrita, em parte, por BRANDÃO1:
...Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos
aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores da Virgínia
que nos enviem alguns de seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e
faremos, deles, homens. (1985, p.9)
Fica evidenciado, na carta, a diferença entre ser cidadão para os Estados da Virgínia
e de Maryland e para os índios das Seis Nações, mostrando que a cidadania é a identidade
social do indivíduo com relação a uma determinada sociedade, demonstrando assim, um
dos pressupostos básicos da cidadania que é a relação intrínseca entre indivíduo/Estado.
Portanto, não há uma cidadania abstrata, mas cidadanias, determinadas de acordo com os
interesses do espaço social ao qual pertence o indivíduo.
1 Carlos Rodrigues BRANDÃO é antropólogo e professor da Universidade de Campinas (UNICAMP). Autor
do Livro "O que é Educação" (1985).
2
A carta descreve também a relação íntima entre o tripé: cidadania, educação e
trabalho, naquela comunidade. A educação que se fazia estava relacionada à vida e fazia
daqueles jovens bons pescadores, caçadores, guerreiros, conhecedores da vida da floresta e
capazes de sobreviver frente as adversidades que esta lhes proporcionava. O trabalho era a
própria vida, ou seja, fazia parte do ser "homem", ser "mulher". Ser cidadão era poder
ocupar plenamente o seu lugar, de acordo com o modelo de homem e de mulher criado no
imaginário social.
O outro pressuposto básico da cidadania, revelado nas entrelinhas da carta, diz
respeito a dinamicidade histórico social da cidadania, pois para falarmos da cidadania de
um determinado Estado temos que enquadrá-la dentro de um espaço de tempo, visto que, a
cidadania é dinâmica e reflete as condições econômicas, políticas e sociais da sociedade a
qual pertence num período de tempo determinado.
Naquele momento para os índios das Seis Nações, a educação permeava a vida e
todos tinham acesso a ela. A educação e o trabalho eram acessíveis a todos os indivíduos da
sociedade e havia garantia do pleno exercício da cidadania.
...Ali, todos os que convivem aprendem, aprendem da sabedoria do grupo social e da
força da norma dos costumes da tribo, o saber que torna todos e cada um
pessoalmente aptos e socialmente reconhecidos e legitimados para a convivência
social, o trabalho, as artes da guerra e os ofícios do amor.(BRANDÃO, 1985,P. 20/1)
Porém, nas sociedades onde houve uma rigorosa divisão social do trabalho e,
consequentemente, divisão em classes sociais, passou a não acontecer da mesma forma. Na
Grécia Antiga, no princípio, a educação e o trabalho eram comuns a todos e estavam
relacionadas às práticas da agricultura e da pecuária, do artesanato e da arte, à própria vida,
como para os índios das Seis Nações. Todos participavam plenamente da vida da
sociedade, portanto, a cidadania era acessível a todos os indivíduos. Mas, quando a
sociedade começou a enriquecer e começaram a classificar os homens em livres ou
escravos/nobres ou plebeus, a cidadania ficou restrita àqueles que podiam participar da
administração da polis. Estavam excluídos os escravos, geralmente estrangeiros cativos, e
os artesãos que, embora fossem homens livres, não tinham tempo livre para dedicar a
serviço da polis, pois tinham que trabalhar para sobreviver; ficando a cidadania restrita aos
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nobres. A educação passou a estar a serviço dos nobres da polis, formando o cidadão de que
esta necessitava.
Depois de constituídas as classes de homens livres que regem a democracia dos
gregos sobre a divisão do trabalho e a instituição do regime escravagista, para os
adolescentes a educação coletiva não é uma atividade voluntária ou um direito de
berço. É um dever imposto pela polis ao livre. Porque o seu exercício modela não um
homem abstrato, sonho dos poetas, mas o cidadão maduro para o serviço à
comunidade, projeto do político. A "obra de arte" da paideia é a pessoa plenamente
madura - como cidadão, como militar, como político - posta a serviço dos interesses
da cidade-comunidade. Assim, o ideal da educação é reproduzir uma ordem social
idealmente concebida como perfeita e necessária, através da transmissão, de
geração a geração, das crenças, valores e habilidades que tornavam um homem tão
mais perfeito quanto mais preparado para viver a cidade a que servia. (BRANDÃO,
1985, p.43-4)
Aparece, nesta citação, o terceiro pressuposto da cidadania, que diz respeito à ordem
simbólica, pois a cidadania representa as crenças, os valores e as significações socialmente
estabelecidas e aceitas, que servirão de mediação entre os indivíduos e o Estado e
permitirão a convivência dos indivíduos dentro do espaço social delimitado. A cidadania
refere-se a um espaço social delimitado, tem uma dimensão histórica-social, portanto, é
resultado de uma construção histórica, e, nela, estão incorporados os valores e as
significações que são inerentes ao povo ao qual ela pertence.
1.2 - A construção histórica da cidadania
Além desses pressupostos, podemos ainda, para melhor entendimento, dividir a
cidadania2, de acordo com Marshall, em três partes: civil, política e social. Com base nessa
divisão e pensando no processo histórico de construção destas partes que compõem a
2 De acordo com SCHUGURENSKY, "Nas múltiplas definições de cidadania que tem existido até o presente,
pode-se observar diferentes maneiras de abordar dinâmicas de inclusão e exclusão, por um lado, e de direitos
e responsabilidades, por outro. Na tradição liberal, a noção de cidadania tem girado ao redor da contribuição
pioneira do britânico T. H. Marshall, que distinguiu entre direitos civis, políticos e sociais". Segundo o autor,
a teoria de Marshall é objeto de várias críticas, dentre elas a de que "a cidadania não deve ser entendida pura
e exclusivamente como status (direitos), mas também como a participação ativa e criativa em processos
substantivos de deliberação e de tomada de decisões" ( 1999, p. 188-9), lembrando a concepção de cidadania
grega.
4
cidadania, observemos como estes se fizeram presentes e como foram sendo incorporados,
tendo como parâmetro de análise, a própria história da humanidade.
Na Antigüidade, como as instituições sociais estavam fundidas, os direitos civis,
assim como os políticos, encontravam-se misturados. Já os direitos sociais, embora também
estivessem na mesma situação, ou seja, misturados, eram diretamente associados ao lugar
ocupado pelo indivíduo no contexto social e, baseado no seu status social, o indivíduo teria
acesso a um tipo de justiça, sabia onde obtê-la e a sua participação na vida da sociedade era
determinada. A característica básica desse período é o fato de não haver
...nenhum código uniforme de direitos e de deveres com os quais todos os homens -
nobres e plebeus, livres e servos - eram investidos em virtude da sua participação na
sociedade. Não havia, nesse sentido, nenhum princípio sobre a igualdade dos
cidadãos para contrastar com o princípio da desigualdade de classes. (MARSHALL,
1967, p. 64)
A cidadania, como, por exemplo, na Grécia Antiga, não diminuía as desigualdades
sociais, mas pelo contrário, aumentava, quando restringia a condição de cidadão somente
àqueles que podiam participar da administração da polis, aos nobres, e, com isso, acentuava
a distância entre os indivíduos. A cada categoria de homens: nobres, artesãos, escravos, era
destinada um tipo de educação, um tipo de trabalho e outros direitos específicos. A
cidadania grega representa a comunidade dos iguais: os nobres, os quais tinham uma
participação ativa na vida do polis, no gerenciamento de todas as atividades desenvolvidas
naquele espaço social.
Nas sociedades medievais, segundo MARSHALL (1967), existia uma cidadania que
podemos classificar como local, mas que, de acordo com o autor, eram exemplos de
cidadania genuína e igual. No entanto, não podem ser levadas em consideração porque seus
direitos e deveres eram muito restritos e esta, que estamos tentando descrever, tem como
parâmetro o Estado/Nação, portanto, tem caráter nacional.
No mundo moderno, o Estado passou a garantir a igualdade de todos os indivíduos,
fundamentando-se no direito natural. Dele emanam os direitos e deveres do indivíduo,
como também a justiça e a moralidade: "O Estado civil é, portanto, a esfera pública da
sociedade na qual se realizarão os interesses particulares, garantidos pela autoridade
soberana"(FERREIRA, 1993, p.52-3).
5
A modernidade trouxe o desenvolvimento da cidadania concomitante com o
capitalismo. O Estado moderno surge como instituição normatizadora da vida em
sociedade. Embora, Hobbes e Locke, teóricos do Estado moderno, possuam concepções
distintas quanto a natureza do poder estatal, ambos, a partir do conceito de estado de
natureza3 derivam a necessidade da sociedade política institucionalizada: o Estado. Para
eles, "só a construção de uma instância política, que sobrepujasse os interesses
individuais, poderia garantir a convivência dos homens em sociedade" (TEIXEIRA, 1995,
p.35).
A sociedade política constituída criaria normas universais que permitiriam a vida
societária. É interessante atentar para o fato de que, apesar da necessidade de se criar uma
instância política capaz de normatizar a vida em sociedade, tornando-a possível, o
indivíduo, na teoria política moderna, continua em posição de primazia sobre esta instância
e constitui-se no fundamento desta sociabilidade.
Na teoria de Hobbes e Locke percebe-se algumas idéias divergentes quanto: à
propriedade4, à categoria trabalho5, às leis de mercado6 e no que refere-se ao poder do
Estado, pois, enquanto Hobbes atribui a este um poder absoluto, Locke coloca a
comunidade como soberana acima deste, sendo que, as leis universais elaboradas pelo
3 Referindo-se a Hobbes e a Locke, TEIXEIRA diz que o Estado de natureza representa a expressão do "corte
epistemológico que separa estes pensadores da filosofia clássica e das idéias feudais que ainda prevaleciam
na sua época. (...) Com este conceito, Hobbes e Locke substituem a autoridade divina, como instância
legitimadora do poder estatal, para buscar tal legitimação no que é imanente ao próprio homem: a
necessidade de uma instância política reclamada pela própria vida social"(1995, p.38).
Para o autor, em Locke,, "o estado de natureza foi um estágio que precedeu a sociedade produtora
de mercadorias de sua época. (...)
Se em Locke o estado de natureza antecipa a forma de sociabilidade própria de uma sociedade
produtora de mercadorias, em Hobbes, aquele estado é derivado diretamente das condições presentes, o que
lhe permite julgar como seria esta sociedade se fosse deixada entregue exclusivamente à lógica da troca,
onde cada um só está preocupado consigo mesmo, sem se importar com o funcionamento do sistema como
um todo. ( TEIXEIRA, 1995, p.36)
4 Para Hobbes a propriedade só passa a existir na sociedade civil, nascendo pelas mãos do Estado, enquanto
que, para Locke, o Estado é que nasce para proteger a propriedade, que é portanto, anterior, a sua própria
existência. Ver TEIXEIRA, 1995, p.59.
5 Enquanto que, na teoria de Hobbes há uma ausência da categoria trabalho, em Locke, é a partir dela que se
pode explicar a origem da propriedade. Ver TEIXEIRA, 1995, p.60.
6 Para Hobbes a economia não cria nenhuma forma de sociabilidade, no entanto, para Locke, as relações que
se estabelecem e a própria divisão social do trabalho criam normas de convivência social. O Estado, em
Locke, é pensado "com um segundo nível de sociabilidade, cuja função deveria se resumir à de guardião dos
interesses privados dos proprietários" (TEIXEIRA, 1995, p.60). As normas de sociabilidade criadas a partir
do mercado, para Locke, só são ameaçadas quando o dinheiro entra em cena na vida dos indivíduos. É quando
esse faz necessário a presença do Estado para administrar os conflitos produzidos pelo crescimento desigual
da propriedade privada. Ver TEIXEIRA, 1995, p.54.
6
poder legislativo devem ser observadas por todos, inclusive pelo poder executivo7. No
entanto, apesar das diferenças que separam o pensamento destes dois teóricos,
...ambos comungam de um mesmo ponto de vista: só no Estado, o homem encontra
sua salvação. Para ambos, o Estado é a forma mais alta ou menos imperfeita de
convivência humana.
Há, no entanto, uma razão para essa identidade de pensamento entre Hobbes e
Locke. Ambos tomam o indivíduo como fundamento da sociabilidade. Este é o ponto
de partida que está no centro de suas idéias. Se o indivíduo é o primeiro em relação
à sociedade, o Estado deve ser, necessariamente, o meio que torna possível a vida em
comunidade, isto é, em sociedade.(TEIXEIRA, 1995, p.61)
Do Estado enquanto autoridade civil é que emanam os direitos civis, políticos e
sociais. Os direitos civis são os direitos necessários à liberdade individual; os direitos
políticos dizem respeito à participação no exercício do poder político seja através da
representação ou da participação; e, os sociais, referem-se a tudo que diz respeito ao bem
estar do indivíduo: segurança, trabalho, lazer, educação, saúde entre outros.
A conquista de tais direitos, no entanto, não ocorreu de forma simultânea e
harmônica. Embora não se possa delimitar com precisão o período de formação de cada
um, de forma um tanto didático, podemos identificar, segundo FERREIRA (1993), os civis
como conquistados por alguns países no Século XVIII, os políticos no final do Século XIX
e os sociais já neste século, Século XX; sendo que, na conquista destes dois últimos, houve
um maior entrelaçamento, pois os direitos sociais foram adquiridos como conseqüência da
conquista dos direitos políticos.
Como o Estado, na modernidade, assumiu uma visão eminentemente individualista,
fundamentada na ideologia liberal, tratando o homem como indivíduo que possui pleno
domínio sobre seu destino e proprietário de tudo aquilo que conseguir acumular, serviu
plenamente aos interesses da burguesia emergente.
Governo forte e comércio se apoiam mutuamente. A associação do monarca com a
burguesia, nos séculos XV e XVI, responde à mesma necessidade: gestar instituições
7 "Para o primeiro (Hobbes), o poder estatal só existe como poder absoluto e, neste sentido, ninguém tem a
liberdade de resistir à espada do Estado. Para o segundo (Locke), a comunidade conserva sempre o poder
supremo, de modo que possa se salvaguardar de todo e qualquer ingerência extemporânea e arbitrária em
seus interesses privados"(TEIXEIRA, 1995, p.58-9).
7
que substituam a organização política do mundo medieval. Trata-se de criar formas
políticas que se ajustem à mudança de valores, em função da qual se estruturam
agora as relações de dominação da nova ordem social. Relações sociais dotadas de
racionalidade, livres de entraves, para que possam servir a uma política pautada,
fundamentalmente, no poder econômico. (FERREIRA, 1993, p.41)
Com o desenvolvimento do capitalismo, a ideologia vinculada pelo Estado Liberal,
numa sociedade de interesses antagônicos, serviu para camuflar as desigualdades inerentes
a esta racionalidade sob a égide da cidadania, pois a partir do momento que os indivíduos
são colocados como iguais desaparece o antagonismo entre capital e trabalho, dominante e
dominado, capitalista e trabalhador, visto que ambos são submetidos às mesmas regras
sociais.
Percebe-se a partir da modernidade um novo sentido para a cidadania, uma
conotação política que veio fortalecer o capitalismo. Ser cidadão, diferente da concepção
grega de cidadania que se restringia a participação na administração da polis, diz respeito a
adquirir propriedade de coisas que venham suprir as necessidades e ter direitos e obrigações
para com a sociedade, possuindo, assim, uma personalidade jurídica.
O Estado liberal, aparentemente, apresenta-se como Estado de todos e acima das
classes, fazendo-se necessário ao monopólio da racionalidade capitalista. Para que as
relações entre capital e trabalho, dentro da sociedade capitalista, não apareçam como
conflitantes estas são colocadas como realizadas entre indivíduos isolados, livres e iguais.
Isso impede que no plano do direito, no plano político, no plano educacional ou no plano
econômico, por exemplo, as desigualdades sociais se expressem como tais.
O trabalho e a educação são elementos deste processo de construção da cidadania
capitalista. O trabalho agora, diferentemente da visão grega, passa a ser visto como meio
necessário para conquista da cidadania. É através do trabalho que o indivíduo recebe a
parcela a que tem direito nas relações sociais, o seu salário, tornando real a sua condição de
cidadão. O trabalhador é proprietário da sua força de trabalho e, de acordo com os seus
direitos civis que proporcionam ao indivíduo liberdade em negociar livremente, este vende
a sua força de trabalho em troca do salário. Ambos são proprietários: o trabalhador da sua
força de trabalho e o capitalista do capital. A idéia que se estabeleceu é a de que ambos
necessitam um do outro e, portanto, necessitam conviver em harmonia no espaço social.
8
O fundamento do Estado moderno está na livre operação do mercado, sendo o
Estado percebido como condição necessária para a construção da vida cidadã, através da
garantia dos direitos naturais dos homens: conservação da vida e da liberdade e da
propriedade adquirida através do trabalho.
No entanto, o Estado que não deveria interferir na sociedade a fim de que ela se
ajustasse naturalmente às leis do mercado, acabou tendo que fazê-lo para diminuir as
tensões sociais e com isso garantir o processo de acumulação do capital, promovendo um
aparente consenso entre os diversos segmentos sociais.
O Estado contemporâneo investido na promoção do bem estar social tentou manter
esta harmonia dentro do espaço social resolvendo as contradições resultantes do
antagonismo existente entre capital e trabalho. O Estado de Bem-Estar-Social, que se
estabeleceu, forneceu as mediações sociais, econômicas e políticas para a sua
concretização, permitindo a conquista de certos direitos sociais até então negados a classe
trabalhadora.
No entanto, embora fossem conquistas dos trabalhadores, muitos dos direitos sociais
estendidos a estes eram necessários ao próprio desenvolvimento do capitalismo e a nova
sociabilidade criada a partir desse desenvolvimento. Por exemplo, quando a economia
deixou de ser predominantemente rural e passou a se desenvolver rapidamente no espaço
urbano, fazia-se necessário a inserção de novos hábitos importantes para o convívio social
nas cidades e para a eficiência do próprio trabalho. Saber ler, escrever, contar e adquirir
hábitos de higiene eram necessidades básicas essenciais ao novo estilo de vida e ao modelo
de produção. A idéia vinculada para a grande massa dos trabalhadores era a de que, para
que pudessem melhor participar dos seus direitos de cidadania, deveriam ser escolarizados.
Embora não possamos questionar a priori esta afirmativa e, muito menos dizer que o
acesso à educação não tenha sido uma conquista importante dos trabalhadores, podemos, no
mínimo, suspeitar das intenções de um Estado a serviço do capital, tendo que resolver
problemas que o próprio capital produziu. Porque,
Não se conhece casos de marginalidade social em sociedades igualitárias, como as
tribos indígenas. A marginalidade, assim como a cidadania, resulta das sociedades
de classes, é um fenômeno que revela as relações perversas do modo de produção
9
capitalista, cuja racionalidade funciona com base no binômio inclusão/exclusão.
(FERREIRA, 1993, p.161)
O Estado de Bem-Estar-Social constituído, apesar de garantir algumas conquistas
sociais, não conseguiu resolver os problemas que o desenvolvimento do capitalismo
produziu, por não ser capaz de eliminar a contradição básica desse modo de produção que é
a relação entre produção social e apropriação privada da riqueza produzida.
Atualmente, diante do novo paradigma produtivo propagado8 (HARVEY (1994),
CORIAT (1994) entre outros), o Estado se ver impelido a modificar-se e a se ajustar à nova
dinâmica do capital. Para isso, se fazia necessário um novo projeto político que viesse
promover as condições necessárias para implantação das mudanças, recuperando, assim, a
capacidade de exploração capitalista. Embora o neoliberalismo tenha seus fundamentos na
teoria clássica liberal é distinto do liberalismo do século passado. A estratégia utilizada,
projeto neoliberal, busca, segundo SILVA,
A construção da política como manipulação do afeto e sentimento; a transformação
do espaço de discussão política em estratégias de convencimento publicitário; a
celebração da suposta eficiência e produtividade da iniciativa privada em oposição à
ineficiência e ao desperdício dos serviços públicos; a redefinição da cidadania pela
qual o agente político se transforma em agente econômico e o cidadão em
consumidor, são todos elementos centrais importantes do projeto neoliberal global.
(1997, p.15)
FRIGOTTO (1997), alerta para a idéia hoje veiculada, no plano da ideologia
neoliberal global, de que não há outra alternativa para os Estados/Nações a não ser o de
ajustar-se à reestruturação produtiva excludente, através da desregulamentação do Estado9,
a descentralização das suas responsabilidades e autonomia10 e da privatização11 dos setores
8 Diz respeito ao processo de reestruturação produtiva que, segundo CORRÊA, "consiste em um processo que
compatibiliza mudanças institucionais e organizacionais nas relações de produção e de trabalho, bem como
redefinição de papéis dos estados nacionais e das instituições financeiras, visando a atender às necessidades
de garantia de lucratividade. Nesse processo, a introdução das novas tecnologias informatizadas tem
desempenhado papel fundamental" (1997, p.202).
9 Segundo FRIGOTTO, "a desregulamentação significa a existência mínima possível de leis que regulem o
mercado. Com isto, busca-se restringir o campo dos direitos sociais garantidos no contexto do Estado de
bem-estar social ou, no caso brasileiro hoje, da Constituição de 1989. Isto implica no fim, também, das
garantias trabalhistas, da estabilidade no emprego e dos ganhos de produtividade" (1997, p.36).
10 Refere-se a "autorização para demitir funcionários públicos (Reforma Administrativa) e solapar-lhes a
estabilidade. Nesta reforma inclusive, também, a delegação de responsabilidades, antes da união, aos
10
estratégicos controlados por este, visando deixar o mercado livre para ser o grande
regulador das relações sociais.
1.2 - A conquista da cidadania no Brasil contemporâneo
A política neoliberal incrementada pelos governantes nas últimas décadas favoreceu
a alta concentração e a uma desigual distribuição de renda, agravando a crise econômica no
Brasil, promovendo o desemprego em massa, a imobilidade na produção industrial e
agrícola e o falecimento do investimento estatal.
O Estado mínimo12, que vem sendo delineado pelo poder político neste país,
introduziu uma política social de enfraquecimento das conquistas sociais da classe
trabalhadora, com a não introdução dos investimentos financeiros que se fazem necessários
para atender as demandas da população. Ao contrário, o Estado investe maciçamente em
propagandas que propagam os benefícios de uma sociedade privatizada.
Com a proteção do Estado à economia de mercado, acentua-se mais as
desigualdades sociais fazendo com que o dono do capital tenha sempre mais e seja o dono
da bola, acirrando os conflitos sociais e desarticulando as instituições que representam a
classe trabalhadora. As palavras de ordem são: "mercado", "escolha" e "direitos do
consumidor", que reduzem o cidadão apenas à condição de consumidor13.
O discurso neoliberal atribui à intervenção do Estado todos os males sociais e
econômicos da nossa atual situação e à iniciativa privada todas as virtudes e saídas; utiliza
os meios de comunicação de massa para conquista da consciência social hegemônica; e, a
educação, como veículo estratégico de preparação para o mercado de trabalho e como via
ideológica de proclamação das excelências do livre mercado e da livre iniciativa.
Estados da federação e aos municípios. O resultado deste processo é que se acaba reprivatizando ou
mercantilizando os direitos sociais garantidos pela esfera pública" ( FRIGOTTO, 1997, p.36-7).
11 Transferência de setores estratégicos do setor público para a iniciativa privada causando, segundo
FRIGOTTO, " a perda efetiva do Estado de fazer política econômica e social" (1997, p.37).
12 Isso não significa, necessariamente, "um Estado pequeno, mas um Estado articulador e financiador da
reestruturação produtiva na lógica do ajustamento controlado pelo mercado"( FRIGOTTO, 1997, p.36).
13 Segundo SCHUGURENSKY, "atualmente, sob os influxos hegemônicos do neoliberalismo e do
neoconservadorismo, o conceito de cidadão compete com o conceito de consumidor ou cliente, o discurso
centrado em direito inalienáveis tem sido progressivamente substituído por um discurso centrado em
obrigações e tarifas oficiais, e as políticas de subsídios que equilibravam iniqüidades sociais e regionais
(com o objetivo de que nenhum cidadão de uma nação esteja abaixo de um padrão mínimo) foram
substituídas por políticas de privatização e descentralização" (1999, p.189).
11
Para conseguir apoio da população, o projeto neoliberal transforma questões
políticas e sociais em questões técnicas. Percebe-se isso, numa análise realizada pelo
Ministério do Trabalho14, quanto ao aumento do desemprego, quando, o Estado, transfere a
questão do desemprego do espaço social e político e coloca-o, apenas, como resultado da
introdução de inovações no setor produtivo. A análise realizada ver no vigoroso
crescimento da produtividade do trabalho a causa principal do desemprego15.
Segundo o Ministério do trabalho, "... essas mudanças valorizam os trabalhadores
mais qualificados, em detrimento dos menos qualificados"(BRASIL, Tendências do
Mercado de Trabalho Brasileiro, www.mtb.gov.br).
Diante do exposto, muitas questões relativas à conquista da cidadania se fazem
presentes: pode a conquista da escolaridade garantir a cidadania, num país que não garante
ao indivíduo o direito ao trabalho? pode essa qualificação do trabalhador garantir-lhe
emprego, sendo este um dos parâmetros fundamentais para tornar-se cidadão? em que se
percebe a importância do aprendizado da escola, competências desenvolvidas pela escola,
para que o trabalhador desenvolva bem o seu trabalho? a realidade social brasileira não
compromete o projeto de cidadania?
Sabe-se que no Brasil, a partir de informações do próprio Ministério do Trabalho16,
que embora a taxa de crescimento da população brasileira venha caindo sistematicamente,
existe um contigente expressivo de oferta de mão de obra reprimida, a espera de
oportunidade para ingresso no mercado de trabalho. O mesmo documento informa uma
mudança no perfil etário dos trabalhadores inseridos no mercado de trabalho, que, segundo
este órgão, se deu em decorrência do nível de nível de qualificação da mão de obra exigida
por este. Sendo que, só os trabalhadores na faixa etária entre 25 a 39 anos têm conseguido
atender a exigência das empresas por serem mais experientes e qualificados.
O que se indaga é se estes trabalhadores estão tendo acesso ao mercado de trabalho
por serem melhor qualificados e experientes em relação aos com menor idade, entre 15 a 24
14 Documento resultado de uma exposição realizada na Câmara dos Deputados, em 14/05/98, pelo então
Ministro do Trabalho, Sr. Edward Amadeo: Mercado de Trabalho Brasileiro: rumos, desafios e o papel do
Ministério do Trabalho. Homepage do Ministério do Trabalho: www.mtb.gov.br
15 A produtividade do trabalho refere-se ao modo de funcionamento do mercado de trabalho, sendo
intensificada em especial com a introdução de novas tecnologias.
16 Dados obtidos no documento "Tendências do Mercado de Trabalho Brasileiro" , na Homepage do
Ministério do Trabalho: www.mtb.gov.br .
12
anos; ou o que ocorre é que o acesso destes, com menor idade, está sendo prejudicado por
haver uma grande demanda, melhor qualificada, que diante da falta de empregos melhores,
coloca-se a disposição do mercado, aceitando qualquer coisa e, as empresas, no momento
de fazer a seleção estão optando por estes, mesmo que o cargo a ser ocupado não exija,
necessariamente, pessoas melhor qualificadas e experientes.
Outro ponto importante a ser discutido, é a transferência do problema do
desemprego do espaço público, social e político para o âmbito da iniciativa individual,
quando o Ministério do Trabalho coloca que, uma das explicações para a menor presença
verificada de jovens entre 15 e 24 anos no mercado de trabalho decorre de uma opção
individual, segundo verificamos nas palavras do ministro.
...Essa situação ocorre, provavelmente, porque esses mais jovens preferem ficar mais
tempo na escola, seja formal, seja em cursos de qualificação profissional, antes de ir
ao mercado. E por que? Porque as empresas demandam maior qualificação e os
jovens valorizam a educação. (BRASIL, Tendências do Mercado de Trabalho
Brasileiro, www.mtb.gov.br)
Diante da realidade social em que vive o nosso país, onde as carências econômicas e
sociais da população desafiam-nos e onde cada vez mais os jovens são chamados a
participar, mais cedo, da renda familiar, é contraditório a afirmativa de que os jovens estão
deixando de ingressar no mercado de trabalho por preferir ficar mais tempo na escola.
Sabemos que o desenvolvimento acelerado da economia brasileira a partir dos anos
30 até meados de 1980 favoreceu o ingresso da população jovem pobre no mercado de
trabalho, mesmo para aqueles que não possuíam o 1º grau completo, e eles estavam lá em
busca deste espaço.
Hoje, quando se observa um aumento no nível de pobreza em nosso país é um tanto
contraditório colocar que, o retardo no ingresso do jovem no mercado de trabalho se dar em
decorrência de um adiamento voluntário em busca de melhor qualificação. Outra questão
que se coloca é quanto a exigência real de maior qualificação ou se esta melhor
qualificação dos trabalhadores admitidos no mercado de trabalho ocorre em razão de haver
uma oferta de mão de obra melhor qualificada disponível.
13
1.4 - O PLANFOR, a LDB e a garantia da cidadania
As ações programáticas do Ministério do Trabalho, referindo-se mais
especificamente ao PLANFOR17, visam a promoção da cidadania através da qualificação18
dos trabalhadores. O plano, tem como objetivo, promover a igualdade de oportunidades,
preparando melhor o trabalhador para o mercado de trabalho, com o aumento da sua
capacidade de obter e manter um emprego. Assim são três os pontos que pretendem atacar:
o papel da tecnologia, das instituições e da educação para o desenvolvimento do mercado
de trabalho.
No que se refere à educação, às propostas do Plano Nacional de Qualificação do
Trabalhador - PLANFOR, do Ministério do Trabalho, estão voltadas para a educação
profissional, mas com um novo sentido, um conceito renovado e ampliado. O conceito de
Educação Profissional -EP19 adotado pelo PLANFOR contempla o desenvolvimento
integrado de habilidades básicas, específicas e/ou gestão20.
O desenvolvimento de habilidades básicas refere-se a
Competências e conhecimentos gerais, essenciais para o mercado de trabalho e para
a construção da cidadania, como comunicação verbal e escrita, leitura e
compreensão de textos, raciocínio, saúde e segurança no trabalho, preservação
ambiental, direitos humanos, informação e orientação profissional e outros eventuais
requisitos para as demais habilidades. (BRASIL, 1999, p.8)
Verifica-se, portanto, que a proposta do PLANFOR não propõe apenas qualificação
do trabalhador para o mercado de trabalho, mas formação escolar básica voltada para a
17 PLANFOR - Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador é um dos projetos do governo federal que tem
como objetivo "mobilizar, articular recursos, capacidade e competência existente no país, em matéria de
educação profissional, para atingir uma oferta de qualificação profissional suficiente para atender pelo
menos, 20% da população Economicamente Ativa - PEA ao ano, entrando o recurso do FAT (Fundo de
Amparo ao Trabalhador), neste processo, como "alavanca" ou "catalisador", mas não como única nem
principal fonte de financiamento" ( BRASIL, Ministério do Trabalho. Plano Nacional de Qualificação do
Trabalhador. 1998, p.5).
18 Segundo o Ministério do Trabalho a qualificação do Trabalhador deve se configurar como "competência
sujeita a aprendizado contínuo"(BRASIL, 1995, p.21), não mais entendida como restrita a conhecimento e
habilidades para uma determinada ocupação.
19 O novo conceito ampliado e renovado, de acordo com o Guia do PLANFOR 1999 - 2002, tem como foco a
demanda do mercado de trabalho e o perfil da população alvo, pensada como direito do cidadão produtivo,
busca através de um leque variado de ações atender a diversidade social, econômica e regional da população
economicamente ativa - PEA, contemplando o desenvolvimento integrado de habilidades básicas
(competências e conhecimentos gerais, essenciais para o mercado de trabalho e para a construção da
cidadania), habilidades específicas (competências e conhecimentos específico das ocupações) e, habilidades
de gestão (competências e conhecimentos relativos a atividade de gestão e autogestão do processo produtivo).
14
construção da cidadania, havendo uma proximidade com os objetivos propostos na nova lei
da educação, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, nº 9.394/96, quanto
ao Ensino Fundamental, que enfatiza a formação básica do cidadão, sendo obrigatório e
gratuito, abrangendo às mesmas competências intelectuais denominadas de habilidades
básicas pelo PLANFOR.
Embora a educação básica, seja pensada em termos de PLANFOR como de caráter
complementar para atender a diversidade social, econômica e regional da população
economicamente ativa - PEA, ambos, LDB e PLANFOR, têm como objetivo a formação do
cidadão, como um dos parâmetros para a conquista da cidadania. A questão que se impõe é
quanto a exeqüibilidade do Programa do Ministério do Trabalho, PLANFOR, visto que,
uma das áreas de atuação do plano busca a formação básica do cidadão, proposta também
da LDB, comprometida pela falta de condições de exeqüibilidade desta, em razão da
realidade social.
A realidade social observada antes da promulgação da nova lei da educação, quanto
ao nível educacional da população, e hoje, não parece ter se alterado. Nos dados de 1995,
segundo o próprio Ministério do Trabalho, a grande maioria da população brasileira possuía
"conhecimentos que eqüivalem no máximo às quatro primeiras séries do 1º Grau, além da
existência de cerca de 15 milhões de analfabetos adultos" (BRASIL, 1995, p.9).
O quadro dramático da educação brasileira permanece inalterado apesar da
gratuidade e da obrigatoriedade garantida na lei, em relação ao Ensino Fundamental e,
consequentemente, a formação do cidadão, sendo que na prática, para muitos, isso não
ocorre. Observa-se que hoje, no país, este fato não ocorre apenas por falta de escola, pelo
menos o problema mais grave não é o quantitativo e que além das causas apontadas
comumente para esta situação que os educadores sabem serem verdadeiras, também
apontadas pelo discurso neoliberal para impor o seu discurso de qualidade total e das
excelências da livre iniciativa, é necessário a tomada de consciência de que o problema da
escola pública está além da própria escola.
... o que o discurso neoliberal em educação esconde é a natureza essencialmente
política da configuração educacional existente. A educação pública não se encontra
no presente e deplorável estado principalmente por causa da má gestão por parte
20 BRASIL, Guia do PLANFOR 1999 -2002 - Ministério do Trabalho, 1999- p.7-8.
15
dos poderes públicos, mas sim, sobretudo, porque há um conflito na presente crise
fiscal entre propósitos imediatos de acumulação e propósitos de legitimação. (SILVA,
1997, p.19-20)
Quando, as questões de igualdade/desigualdade e justiça/injustiça deixam de serem
o foco sob o qual se analisa a sociedade e passa a ser a qualidade ou a falta de qualidade,
quem sofre são àqueles que não a têm. É importante perceber que existe uma barreira bem
maior para a realização da cidadania, tanto para a LDB como, também, para o PLANFOR,
a própria realidade social do país, que retira a criança e o adolescente da escola em busca da
sobrevivência e faz com que o trabalhador, que este será no futuro, embora muitos já sejam
no presente, não possua as habilidades básicas necessárias ao seu pleno desenvolvimento e
a própria vivência da cidadania. Portanto, a prioridade deve ser a garantia das condições de
permanência e de progressão na escola.
Sabemos que, a aquisição de habilidades básicas21 é um processo longo cujos
resultados satisfatórios demanda tempo, por isso, questiona-se, se, as pessoas mais
vulneráveis econômica socialmente, prioritários no acesso ao programa do Ministério do
Trabalho, terão realmente assegurado o acesso e a permanência, se não for levado em
consideração que estes precisam, acima de tudo, sobreviver.
A questão da sobrevivência põe em risco a formação do cidadão, seja através do
ensino formal ou de programas como o PLANFOR e, se não houver uma conciliação entre
os objetivos a serem alcançados pelo programa e um meio de proporcionar a própria
sobrevivência dos partícipes, estes, sem dúvida, estarão comprometidos, como está
comprometida a formação para a cidadania proposta pela LDB, que não seria alvo de
planos complementares se pudesse ser concretizada na escola pública.
21 Estamos falando apenas nas habilidades básicas e deixando de lado as habilidades específicas e as
habilidades de gestão, que também estão na abrangência da Educação Profissional proposta pelo PLANFOR,
pela relação entre estas propostas pelo Plano e as desenvolvidas pela educação formal.

Sociologia - Racismo contra negros

Alguns instrumentos legais podem minimizar a situação do racismo no Brasil. Segundo o Estatuto da Igualdade Racial, de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS) e aprovado em novembro deste ano, o Brasil terá que praticar ações afirmativas, o que significa cotas para afro-descendentes na educação, no mercado de trabalho, nos meios de comunicação.Se o Brasil não fizer nada, vai continuar botando culpa na escravidão, que já acabou há mais de 100 anos, e não pode mais ser usada como desculpa. Depois da escravidão, houve conivência do poder estatal com a discriminação racial. Então, o Estado que escravizou é o mesmo Estado que tem que fazer política de promoção da igualdade racial, salienta a deputada estadual Jurema Batista. Na pesquisa Perfil Social das 500 Maiores Empresas, realizada pelo Instituto Ethos e pela Fundação Getúlio Vargas no ano de 2003, fica claro que a política de cotas deu resultados, no caso dos deficientes. A manutenção de programa especial para contratação de pessoas com deficiência é a política afirmativa mais difundida e praticada por 32% das empresas. É provável que essa ampla adesão se deva não apenas à legislação existente para garantir a inclusão de pessoas com deficiência, mas, também, ou principalmente a uma mudança de mentalidade, com a crescente valorização da responsabilidade social, diz o relatório. No caso dos negros, ainda é preciso que o indivíduo seja extremamente capacitado para ganhar uma disputa e, mesmo assim, os comentários contêm uma pitada de maldade.O compositor e historiador Nei Lopes - que é também militante do movimento negro e aos 63 anos recebeu do presidente Lula e do Ministro da Cultura, no dia 8 de novembro, a Ordem do Mérito Cultural pelo conjunto de sua obra -, chama atenção para a nova estética que chegou ao cinema depois do filme Cidade de Deus: negro que vende, que dá bilheteria, é negro de atitude, ou seja, de revólver na mão. E, na música, negro que vende milhões de cópias é só aquele que se alinha com a indústria pop transnacional - até mesmo fingindo que contesta o sistema, como é o caso dos rappers e hip-hoppers; samba, por exemplo, é coisa de preto velho e pobre, explica. Na sua 16ª obra, Kitábu, o livro do saber e do espírito negro-africanos, Nei faz uma espécie de breviário da filosofia e das religiões africanas e afro-originadas.No caso das pessoas brancas, há um outro problema: muita desinformação. Nem todos são racistas. Há brancos racistas, os que são solidários à nossa luta, e os que são ignorantes a essa questão, uma vez tocados, até ficam do nosso lado, disse Jurema Batista. No caso negro também. Há negros que têm raiva de negro. Mas sempre explico que a educação que recebeu, não é para que se respeite. Se não se respeita, não se aceita como negro, não vai aceitar o outro. Ninguém diz: 'você é inferior', apenas negam a sua cultura, a sua identidade e só te reconhecem como escravo. O único papel de relevância que nós somos reconhecidos na história brasileira é como escravos, complementa Ivanir dos Santos, secretário-executivo do CEAP (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas).Ivanir é também responsável por um dos mais importantes projetos de valorização dos afro-descendentes: o Projeto Camélia da Liberdade. Algumas entidades foram homenageadas porque tiveram política de ação afirmativa. Não ano passado, ganharam cinco empresas: ABN Banco, IBM, Du Pont, Camisaria Colombo e a PUC - pela Uneb - Universidade Estadual da Bahia. O projeto continua. Estamos concluindo agora seis cadernos, publicações sobre história de personalidades negras, além de contribuições em várias áreas.Um concurso de redação sobre a contribuição do negro na sociedade e política de ação afirmativa, em 500 escolas públicas e particulares, será lançado em fevereiro. No último dia 22 de novembro, Ivanir participou de uma marcha em Brasília pedindo a anistia do marinheiro João Cândido, líder da Revolta da Chibata - que eclodiu em 22 de novembro de 1910 - e lutando também para que a Petrobras colocasse o nome dele em um de seus navios. A Marinha resiste, nós sabemos. Mas não vamos abrir mão deste herói negro. Continuamos a luta, talvez ainda seja preciso mais 100 anos para que todos se acostumem a nos ver em condições de igualdade, concluiu Ivanir.



Negro

Os termos negro ou negróide são utilizados na classificação de grupos humanos adotada em antropologia, correspondendo a uma raça. A noção de raças humanas, do ponto de vista da biologia, possui atualmente defensores que lutam a favor de colocar essa teoria à parte, lutando para que a noção de raça seja hoje utilizada como um sinônimo de fenótipo humano. O termo negro designa uma pessoa com a pigmentação da pele entre castanha escura (marrom) a negra.
Negro ou preto?
A palavra "preto" aparece no século X e designa uma pessoa de pele escura, mais particularmente originária da África subsariana. A palavra "negro" passa a ser adotada no século XV com a escravização de africanos por portugueses. Os espanhóis, porém, foram os primeiros europeus a usar "negros" como escravos na América. Por conseguinte, um dos primitivos sentidos da palavra negro era "escravo". Por este motivo, a palavra é considerada ofensiva em diversos países africanos e da Diáspora, como no Senegal e nos Estados Unidos, onde é empregada a palavra black que literalmente corresponde à palavra preto.
Os portugueses são o segundo povo europeu a traficar escravos negros para as Américas. Estes adotam a palavra negro designando primeiro, na sua língua, todos os escravos (por conseguinte também os escravos índios, chamados de "negros da terra"). Pouco a pouco, os portugueses designarão cada vez mais apenas os pretos por esta palavra, os índios serão tratados de "selvagens" até 1970 na imprensa brasileira.
Certos sociólogos brasileiros, como Clóvis Moura, consideram o termo "negro" o mais adequado para classificar a etnia à qual a pessoa pertence. Argumentam ainda que existe uma grande resistência da sociedade brasileira na utilização do termo citado, em razão deste ser considerado, erroneamente, uma palavra preconceituosa. Para estes sociólogos, a palavra "negro" não possui conotação pejorativa, e que o receio em utilizar o termo dito correto se deve ao fato da sociedade brasileira, ao contrário do que pensa o senso comum, possuir uma forte carga racista em relação ao negro, oculta pelo mito da democracia racial.
Em Angola é utilizada com o mesmo sentido, e com idêntica gama e subjectividade de conotações. Um indivíduo de etnia negra, pode dizer-se orgulhoso de ser negro e sentir-se ofendido por ser chamado de preto. É usada com muita frequência a palavra em gíria bumbo com idêntico significado. Esta, da mesma forma, pode ser tomada como ofensiva ou ser perfeitamente inócua e usada entre amigos.
Atualmente, no Brasil, parte do Movimento Negro considera que pretos são somente os negros de fenótipo não-miscigenado, enquanto os negros são a soma de pretos e os pardos de ascendência negra (excluindo os caboclos, por exemplo) [1].
Preconceito
O histórico de preconceito contra os negros é grande e decorre principalmente de sua condição de escravos, quando foram trazidos a países da América como o Brasil, os Estados Unidos e alguns países do Caribe. Durante o regime do apartheid, os negros eram postos à margem na África do Sul, não podendo ser considerados cidadãos de pleno direito. Algo semelhante acontecia também nos Estados Unidos, onde ainda hoje a miscigenação não é oficialmente tomada em consideração. Embora os negros já sejam considerados cidadãos comuns nesses países, ainda hoje vivem em condições de vida relativamente menos favorecidas do que as pessoas em geral. Hoje a palavra negro tem um sentido racista em numerosas línguas europeias (ingleses, franceses, alemão, holandeses) devido à escravidão e a colonização.
Segundo estudos realizados pelo sociólogo David Willians, do Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade de Michigan, os Estados Unidos, para cada dólar pago a um branco, um negro recebe o equivalente a 40% desse valor. De acordo com os Indicadores Sócio-econômicos do Censo norte-americano sobre a década de 90, 7% da população branca vivia na pobreza, contra 32,4% da negra.
Em escala menor, existe também discriminação de negros na Europa, devido à recente migração de africanos para países como a França e a Itália.
No Brasil
De acordo com o PNAD de 2005, verificou-se que 6,3% da população brasileira se declara negra, enquanto 43,2% se declaram como "pardos")[1] (como os mulatos, caboclos e cafuzos - pessoas com ancestralidade mesclada entre africanos, europeus e indígenas, exceto os caboclos, cuja identidade não está ligada a ancestralidade preta). Devido ao alto grau de miscigenação da população brasileira, há pouca precisão em identificar quem realmente pode ser chamado de "negro", prevalecendo o critério da auto-declaração. Para fins políticos do movimento negro, entretanto, consideram-se "negros" todos aqueles que têm alguma ancestralidade africana, mesmo que sejam, também, descendentes de europeus ou de índios.
A região brasileira com o maior número proporcional de negros na população é a Região Nordeste, sendo o Estado da Bahia aquele com a maior proporção de negros na população, com 14,4% de pretos e 64,4% de pardos. O Estado de Santa Catarina é o que tem a mais baixa proporção de negros e pardos no Brasil, que, somados, são 11,7% da população.
Observa-se que os negros vivem numa condição de vida bem menos favorecida em relação à daqueles que se declaram de etnia "branca" (européia). Isto é ocasionado especialmente pelo fator histórico da escravidão, que, ao ser abolida, não deu qualquer tipo de proteção especial aos negros, que permaneceram na pobreza.
Ainda assim, muitos argumentam que ainda há forte preconceito dentro da sociedade brasileira, o que seria uma forma a mais de dificultar a inserção do negro na sociedade. O último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), "A Hora da Igualdade no Trabalho", divulgado no dia 12 de maio, mostra que, apesar de avanços em alguns indicadores sociais, a situação de desemprego persiste na população negra brasileira: a renda mensal de um trabalhador negro é 50% inferior a do branco.
Negros em outros países
África
Todos os países da África Subsaariana têm população majoritariamente negra. Alguns países como a Namíbia e a África do Sul apresentam uma diversidade étnica maior, devido à colonização por europeus vindos principalmente da Alemanha, Reino Unido e Países Baixos. Na África do Sul, apesar de serem maioria étnica, tiveram vários direitos suprimidos pelos africâneres (sul-africanos de origem européia), que dominavam politicamente - movimento conhecido como apartheid. Na região do Maghreb os negros são minoria, frente à maioria branca de origem semítica.
América
Existe uma grande população negra concentrada nos Estados Unidos. O censo estadunidense considera como "negros" todos os indivíduos com alguma ascendência africana, mesmo que tenha também ascendência européia, asiática ou indígena. No Caribe, a maioria da população é negra, ou mestiça com negros (no caso de Cuba), sendo a República Dominicana uma exceção. Outros países com importantes minorias de negros, além do Brasil, são a Colômbia e o Uruguai.
Europa
Nas últimas décadas, a população negra na Europa tem crescido consideravelmente, especialmente em países como a França, Países Baixos e o Reino Unido. Isso ocorre em função da migração de povos africanos e caribenhos colonizados por franceses, neerlandeses e britânicos, em geral buscando melhores condições de vida. Outros países como a Suécia, a Itália e a Alemanha também têm recebido ondas imigratórias negras
Ásia e Oceania Os povos de origem dravídica, nativos do sul da Índia, são negros. Entretanto, têm o fenótipo distinto dos negros africanos, com alguns traços que os fazem se parecer mais com os demais asiáticos. O mesmo ocorre com os povos melanés étnico à parte conhecido como Australóide
Racismo
O racismo é a tendência do pensamento, ou do modo de pensar em que se dá grande importância à noção da existência de raças humanas distintas e superiores umas às outras. Onde existe a convicção de que alguns indivíduos e sua relação entre características físicas hereditárias, e determinados traços de caráter e inteligência ou manifestações culturais, são superiores a outros. O racismo não é uma teoria científica, mas um conjunto de opiniões pré concebidas onde a principal função é valorizar as diferenças biológicas entre os seres humanos, em que alguns acreditam ser superiores aos outros de acordo com sua matriz racial. A crença da existência de raças superiores e inferiores foi utilizada muitas vezes para justificar a escravidão, o domínio de determinados povos por outros, e os genocídios que ocorreram durante toda a história da humanidade.

História do racismo
Origens
As origens do racismo são bastante controversas. O fenômeno ocorre em todas as etnias e em todos os países. Um exemplo típico de racismo ocorreu quando o Japão, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, atingiu um desenvolvimento econômico social equivalente aos países mais adiantados econômica e tecnologicamente do mundo. O povo japonês começou então a se comportar de forma extremamente racista em relação a outras nacionalidades, estrangeiros em terras japonesas não eram bem-vindos. Da mesma maneira que ocorreu no oriente distante, no mundo ocidental também houve fenômenos extremamente violentos ligados ao racismo. Nas Américas, em especial nos Estados Unidos da América, o racismo chega aos extremos contra os negros e contra os latinos, em especial no sul do país. Até a década de 50 acontecia nos EUA de negros serem mortos enforcados em árvores, sem julgamento, sem que os autores destes assassinatos fossem punidos. Havia mesmo uma sociedade secreta, a Ku Klux Klan, que se propunha a perseguir e "justiçar" negros.
Formas de racismo
Século XIX - explicação "científica"
No século XIX houve uma tentativa científica para explicar a superioridade racial através da obra do conde de Gobineau, intitulada Essai sur l'inégalité des races humaines (Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas). Nesta obra o autor sustentou que da raça ariana nasceu a aristocracia que dominou a civilização européia e cujos descendentes eram os senhores naturais das outras raças inferiores.
O nazismo
Em 1899, o inglês Houston Stewart Chamberlain, chamado de O antropólogo do Kaiser, publicou na Alemanha a obra Die Grundlagen des neunzehnten Jahrhunderts (Os fundamentos do século XIX). Esta obra trouxe o mito da raça ariana novamente e identificou-a com o povo alemão.
Alfred Rosenberg também criou obras que reforçaram a teoria da superioridade racial. Estas foram aproveitadas pelo programa político do nazismo visando à unificação dos alemães utilizando a identificação dos traços raciais específicos do povo dos senhores. Como a raça alemã era bastante miscigenada, isto é, não havia uma normalidade de traços fisionômicos, criaram-se então raças inimigas, fazendo desta forma surgir um sentimento de hostilidade e aversão dirigido a pessoas e coisas estrangeiras. Desta forma, os nazistas usaram da xenofobia associada ao racismo atribuindo a indivíduos e grupos sociais atos de discriminação para amalgamar o povo alemão contra o que era diferente. A escravização dos povos da Europa oriental e a perseguição aos judeus eram as provas pretendidas pelos nazistas da superioridade da raça ariana sobre os demais grupos diferentes e raciais também.
O apartheid
Os trabalhos de geneticistas, antropólogos, sociólogos e outros cientistas do mundo inteiro derrubaram por terra toda e qualquer possibilidade de superioridade racial, e estes estudos culminaram com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Embora existam esforços contra a prática do racismo, esta ainda é comum a muitos povos da Terra. Uma demonstração vergonhosa para o ser humano sobre o racismo ocorreu em pleno século XX, a partir de 1948 na África do Sul, quando o apartheid manteve a população africana sob o domínio de um povo de origem européia. Este regime político racista acabou quando por pressão mundial foram convocadas as primeiras eleições para um governo multirracial de transição, em abril de 1994.
Genética
Embora existam classificações raciais propostas pelas mais diversas correntes científicas, pode-se dizer que a taxonomia referencia uma oscilação de cinco a duas centenas de raças humanas espalhadas pelo planeta[1], além de micro-raças regionais, locais ou geográficas que ocorrem devido ao isolamento de grupos de indivíduos que cruzam entre si.
Portanto, a separação racial torna-se completamente irracional em função das composições raciais, das miscigenações, recomposições e padronizações em nível de espécie que houve desde o início da caminhada da humanidade sobre o planeta.
De acordo com Guido Barbujani, um dos maiores geneticistas contemporâneos,

a palavra raça não identifica nenhuma realidade biológica reconhecível no DNA de nossa espécie, e que portanto não há nada de inevitável ou genético nas identidades étnicas e culturais, tais como as conhecemos hoje em dia. Sobre isso, a ciência tem idéias bem claras

in A invenção das raças[2]
A genética demonstra que a variabilidade humana quanto às combinações raciais pode ser imensa. Mas as diferentes adaptações ocorridas a nível racial não alteraram sua estrutura quanto espécie.
Desta forma, a unidade fundamental da espécie humana a nível de macro análise permanece imutável, e assim provavelmente permanecerá apesar das diferenças raciais num nível de microanálise.
Todas as raças provêm de um só tronco, o Homo sapiens, portanto o patrimônio hereditário dos humanos é comum. E isto por si só não justifica o racismo, pois as raças não são nem superiores, nem inferiores, são apenas diferentes.
O racismo pode ser pensado como uma “adoção de uma visão equivocada da biologia humana ”, expressa pelo conceito de ‘raça’, que estabeleceu uma justificativa para a subordinação permanente de outros indivíduos e povos, temporariamente sujeitos pelas armas, pela conquista, pela destituição material e cultural, ou seja, pela pobreza ”, como conceitua Antonio Sérgio Alfredo Guimarães.
Atualmente ramos do conhecimento científico como a Antropologia, História ou Etnologia preferem o uso do conceito de Etnia para descreverem a composição de povos e grupos identitários ou culturais.
Racismo e xenofobia
Muitas vezes o racismo e a xenofobia, embora fenômenos distintos, podem ser considerados paralelos e de mesma raiz, isto é, ocorre quando um determinado grupo social começa a hostilizar outro por motivos torpes. Esta antipatia gera um movimento onde o grupo mais poderoso e homogêneo hostiliza o grupo mais fraco, ou diferente, pois o segundo não aceita seguir as mesmas regras e princípios ditados pelo primeiro. Muitas vezes, com a justificativa da diferença física, que acaba se tornando a base do comportamento racista.
Antimestiço
Uma forma de racismo menos conhecida, que consiste na crença de que a miscigenação gera indivíduos inferiores aos de "raça pura", seja a ambos, como defendia Louis Agassiz, seja a um deles, como defendia Gobineau. Uma forma atual tem ocorrido como reação ao racismo contra negros e indígenas, que consiste negar a identidade mestiça e a defesa de que as populações 'pardas' sejam tratadas como negras, indígenas ou brancas, negando sua peculiaridade.
Internet
Valendo-se, ao mesmo tempo, da possibilidade de anonimato e do alcance a milhões de internautas, o racismo se espalha de maneira intensa pelo mundo digital. Com discursos racistas, revisionistas ou neonazistas, milhares de sites, blogs, comunidades virtuais do Orkut e MySpace, disseminam o ódio racial e a intolerância. O Ministério Público descobriu que 80% dos casos de intolerância na rede, ocorrem no Orkut.
Trata-se de um crime, assim caracterizado pela legislação brasileira. Alguns sites advogam o direito à liberdade de expressão e afirmam não se considerarem racistas, expressarem apenas opiniões. Outros sugerem maneiras de como manter o material distante das autoridades competentes. Por esta característica, muitos sites, principalmente os disponibilizados em provedores gratuitos são retirados do ar, para em seguida reaparecerem, múltiplos em três ou quatro servidores novos, inclusive em domínios estrangeiros. Um dos sites pesquisados, afirma exatamente isto: para cada site retirado do ar, assume-se o compromisso de disponibilizar, pelo menos, três novos. Isso evidencia uma rede.
Segundo o Ministério Público do estado de São Paulo, estão ativas no Orkut mais de cinquenta comunidades que pregam a violência a negros, judeus, homossexuais e nordestinos.

Filosofia
O racismo é um preconceito contra um “grupo racial”, geralmente diferente daquele a que pertence o sujeito, e, como tal, é uma atitude subjectiva gerada por uma seqüência de mecanismos sociais.
Um grupo social dominante, seja em aspectos econômicos ou numéricos, sente a necessidade de se distanciar de outro grupo que, por razões históricas, possui tradições ou comportamentos diferentes. A partir daí, esse grupo dominante constrói um mito sobre o outro grupo, que pode ser relacionado à crença de superioridade ou de iniqüidade.
Nesse contexto, a falta de análise crítica, a aceitação cega do mito gerado dentro do próprio grupo e a necessidade de continuar ligado ao seu próprio grupo levam à propagação do mito ao longo das gerações. O mito torna-se, a partir de então, parte do “status quo”, fator responsável pela difusão de valores morais como o "certo" e o "errado", o "aceito" e o "não-aceito", o "bom" e o "ruim", entre outros. Esses valores são aceites sem uma análise onto-axiológica do seu fundamento, propagando-se por influência da coerção social e se sustentando pelo pensamento conformista de que "sempre foi assim".
Finalmente, o mecanismo subliminar da aceitação permite mascarar o prejuízo em que se baseia a discriminação, fornecendo bases axiológicas para a sustentação de um algo maior, de posturas mais radicais, como as atitudes violentas e mesmo criminosas contra membros do outro grupo.
Convém ressaltar que o racismo nem sempre ocorre de forma explícita. Além disso, existem casos em que a prática do racismo é sustentada pelo aval dos objetos de preconceito na medida que também se satiriza racialmente e/ou consente a prática racista, de uma forma geral.