sábado, 6 de setembro de 2008

História - A ditadura militar no Brasil

A DITADURA MILITAR E SEUS MOTIVOS
Duas obras literárias de autores distintos são destrinchadas no intuito de perseguir os porquês do golpe de 64 e seus (des)caminhos
por Rodrigo Herrero (
rodrigo@rabisco.com.br)
Castelo Branco, o primeiro presidente da ditadura militar
Brasil enfrentou de 1964 a 1985 um dos períodos mais obtusos de toda a sua história. Trata-se da ditadura militar, imposta com apoio da burguesia nacional reacionária e com grande contribuição, inclusive bélica, do capitalismo estrangeiro. E para aprofundar apropriadamene esta rápida e introdutória definição do tema, nada melhor do que as valiosas contribuições de dois ícones dos pensar tupiniquim para o entendimento do maior fenômeno histórico-nacional de nosso século XX.
A primeira obra é Vida e Morte da Ditadura (Vozes, 1984), do historiador e militar da reserva Nelson Werneck Sodré. Um livro que estabelece as condições para a implantação do regime fascista, como ele denomina a ditadura vivida no país, além de enfatizar a influência do imperialismo – leia-se Estados Unidos, na visão do autor – para a constituição e consolidação do golpe no país.
O outro trabalho pertence ao sociólogo Florestan Fernandes e tem o título de A Ditadura em Questão (T.A. Queiroz, 1982). A análise perpassa na aliança da burguesia nacional com os golpistas como base sólida de sustentação para o sucesso do regime, enquanto este teve gás para manter-se. Outro aspecto interessante do livro está nos mecanismos adotados pela cúpula militar para tentar impor um ar “democrático” a algo totalmente despido destas premissas, como no caso da liberalização outorgada, a manipulação dos partidos ou até mesmo a institucionalização da violência nos famosos “anos de chumbo”.
Segundo ambos os trabalhos, a questão do imperialismo crava profundas marcas na história do regime, como parte de uma aliança de três pontas, defendida pelos autores como condição sine qua non para o período ditatorial: o exército brasileiro, a burguesia nacional e a burguesia estrangeira, principalmente dos EUA, que possuía interesses óbvios nesta região. Uma das explicações de Sodré passa justamente pelo momento histórico pós-Segunda Guerra Mundial e, portanto, anterior até mesmo ao dia 31 de março de 1964.
AS CONDIÇÕES QUE GERARAM A “REVOLUÇÃO BRASILEIRA”
Com a derrota do nazismo alemão, do fascismo italiano e do militarismo japonês para os aliados, as forças fascistas que cresciam no Brasil, em particular dentro do exército, perderam espaço para o conservadorismo “democrático” que a burguesia tradicional tanto desejava manter. Além disso, União Soviética e Estados Unidos saíram vitoriosos da guerra, cada um, porém, seguindo um caminho diferente do outro. Os EUA, defendendo a propriedade, o capitalismo e a liberdade como balizas fundamentais do crescimento econômica. Já a ex-URSS tinha sua ideologia solidificada no comunismo, buscando a horizontalidade nas relações econômicas e sociais, algo totalmente diverso do que o american way of life pregaria a partir da década de 50.
Isto fez com que o mundo se dividisse, ao menos imaginariamente, em dois: uns países do lado dos Estados Unidos e seus dogmas capitalistas e outros, de maior proximidade ao poderio comunista da então União Soviética. E o Brasil, com seu papel estratégico na América do Sul, tinha a obrigação de se posicionar. Assim, Washington fez de tudo para trazer os brasileiros para junto de suas convicções e anseios.
ANTI-COMUNISMO
A campanha do comunismo como o monstro e causa de todos os males estava colocada e foi levada à exaustão pela mídia durante aqueles anos, apoiada por políticos e militares. Isso tanto é verdade e solidificou-se de tal maneira que no Brasil o medo dos ideais igualitários se tornou algo por demais assustador. De tão arraigado, qualquer um que cismar em falar de comunismo já será visto de forma estigmatizada e julgada sob pré-conceitos capitalistas ocidentais desprovidos de reflexão dialética, mesmo hoje em dia, com supostos ares democráticos nos embalando.
Presidente Ernesto Geisel(à dir.) e General Médici, seu antecessor na Presidência
Com tudo isto, qualquer sinal de movimentação democrática nos anos que se seguiram foram massacrados aterradoramente pelo discurso do senso comum burguês, erguendo à condição de “comunista” toda e qualquer pessoa que defendesse os ideais democráticos e libertários que poderia crer. Por conta desta pseudoameaça foi instaurada no Brasil a “Revolução Brasileira” (que possui este nome entre os historiadores, dadas as suas características marcantes de uma revolução), com o propósito de “livrar o país do comunismo”, mergulhando a nação num dos períodos mais nebulosos e trágicos de toda a nossa história recente.
O golpe contou com grande participação do chamado imperialismo, devido ao plano de controlar os governos dos países latino-americanos, impedindo que a “praga comunista” os contaminasse, como “ocorrera” com Cuba, com a revolução socialista de 1959. Esse “controle” procurava manter governantes alinhados com a proposta imperial, isto é, de dependência ao mercado externo, e fortalecer as culturas primárias de exportação.
Com isto, como Sodré afirma em seu livro, vultuosas verbas orçamentárias dos Estados Unidos eram destinadas e tropas enviadas ao sul da América, para treinamento de soldados, práticas da tortura, etc. Mas todo esse dinheiro retornava à esperta família Sam através das vendas de produtos estadunidenses nestes locais, que se comprometiam – obrigatoriamente, diga-se – a adquirir os manufaturados do Império.
OS MECANISMOS DO REGIME PARA MANTER-SE NO PODER
Com este cenário estabelecido, fazia mister criar as condições para ampliar os poderes obtidos com a derrubada do governo democrático de João Goulart e a subida do general Castelo Branco à Presidência da República. Justificados na burguesia que via a ditadura como uma benção ante o avanço democrático que vivia o país, os militares impuseram todo o tipo de arbitrariedade em suas ações. Governaram através de decretos-lei, sem precisar passar pelo Legislativo, expurgando funcionários públicos e políticos que ameaçavam os interesses do regime, ao mesmo tempo que mantinha uma relativa liberdade de imprensa e firmava pontes com posições amenas da esquerda nacional. Assim, Castelo Branco e a ala “branda” (se é que pode receber tal nome) da ditadura aumentavam seu poder.
Mas, como diria Sodré, o “aperfeiçoamento da ditadura” ocorreu em fins de 1968, com a instauração do mais conhecido ato institucional imposto durante o regime, o AI-5. Com isto, a ponte foi sabotada e todas as possibilidades de negociações entre governo ditatorial e oposição foram minadas com a extinção dos partidos políticos e a criação de mecanismos contra a realização de greves. Mesmo assim, para tentar demonstrar tolerância e também sabotar a articulação da oposição, foram criados dois partidos: a Arena (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Só que essa concentração do inimigo em um só dos lados seria prejudicial aos militares num futuro próximo.
Prosseguindo com as contradições, o Congresso era aberto e fechado à revelia dos mandatários, a imprensa fora censurada e as perseguições políticas intensificadas, com o aumento de torturas, assassinatos e desaparecimentos de pessoas, institucionalizando, assim, a violência contra quem ousasse questionar o regime. Tudo isso ocorreu principalmente durante 1969-74, período em que a ditadura mostrou sua face mais ríspida e também, como contraste, a pele mais graciosa de um crescimento econômico fictício.
Durante esse tempo os militares viveram em lua de mel com a burguesia reacionária. Isso porque, com o “milagre econômico” – plano de abertura total e irrestrita do mercado nacional, implementado por Antônio Delfim Neto, então Ministro da Fazenda, que possibilitou ao país crescer vertiginosamente – a classe média teve acréscimo substancial em seu poder aquisitivo, possibilitando comprar vários artigos importados dos EUA. Enquanto isso a população pobre se distanciava ainda mais nos índices econômicos das poucas pessoas que possuíam muito, acentuando perigosamente a desigualdade social.
Ocorre que, esse tão propalado milagre estava com seus dias contados desde sua implantação. Era impossível manter o mercado brasileiro aberto e desprotegido daquela forma, contraindo empréstimos e cedendo vantagens a empresas estrangeiras, sem causar um rombo nas contas públicas e crescimento inimaginável da inflação e da dívida externa. Tal fato tornou-se mais evidente quando da crise mundial do petróleo, em 1973. Muitas nações, como o Brasil, quebraram e economias inteiras tiveram de ser remodeladas, abrindo espaço para premissas neoliberais, em contrapartida aos métodos keynesianos que estavam em voga na Europa desde a última guerra mundial.
Presidente Ernesto Geisel e general João Figueiredo, que viria a sucedê-lo na presidência.
A DERROCADA DA DITADURA
A crise do petróleo foi um duro golpe para os militares que, já sem o mesmo apoio da burguesia, com sérias divisões internas e sofrendo pressões, mesmo que diminutas, da população quanto às atrocidades do AI-5, foram levados a uma saída estratégica da ditadura, como colocaria Sodré. A saída encontrada por eles estava na chamada “abertura, lenta, gradual e segura” proposta durante o governo do general Ernesto Geisel, em meados da década de 70.
Esta “abertura” consistia, na verdade, em conceder determinados direitos à população, mas sem abrir deliberadamente o acesso às esferas políticas do regime. Trata-se da liberalização outorgada, exaustivamente debatida por Florestan Fernandes em sua obra, que, metaforicamente, seria algo como soltar o gado no pasto, manejando-o com o cão. Encaminhar o país a uma “volta à democracia”, porém sem revoluções, guerras, brigas, mantendo as coisas como estavam, apesar dos somente aparentes rumos libertários que a nação parecia tomar.
Este intento foi amplamente apoiado pela burguesia e por outros que compartilhavam as opiniões do regime, chamados por Florestan Fernandes de “consenso nacional”. Este consenso desejava ver “a desagregação da ditadura sem rupturas e sem conflitos profundos no seio da própria burguesia”. Caso contrário, como asserta o autor, isto colocaria sua supremacia em risco e abriria espaço para as classes menos abastadas lutarem por melhorias significativas e almejarem tomar o poder.
Outro mecanismo adotado, já na década de 80, foi estabelecer a “reforma dos partidos”, incentivando a criação de novos partidos políticos e o retorno dos antigos. Isto, na verdade, mostrava o interesse dos militares em renovar sua “cara” perante o povo, pois levavam sucessivas “surras eleitorais” nos pleitos menores. Com isto o Arena se transformou em PDS (Partido Democrata Social), enquanto a oposição se espalhou entre o MDB, mudado para PMDB, o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o PDT (Partido Democrata Trabalhista) e o PT (Partido dos Trabalhadores), entre outros menos significativos. Com esta divisão entre os opositores, a ditadura pretendia obter território nas eleições posteriores, para prosseguir no controle até os últimos suspiros de um regime que não tinha mais para onde ir.
À FRENTE DO LEME
Tanto Vida e Morte da Ditadura como A Ditadura em Questão mostram como os militares foram perspicazes na ação para a tomada do poder, contando com as ajudas já citadas, pois perceberam as debilidades democráticas do Brasil naquele período, que vivia perdido em políticos conservadordes com roupagens populistas. Os militares tencionavam instar a nação a uma condição de maior ordem política e econômica, impondo um governo autocrático burguês, como definiu Fernandes, para depois devolver o leme brasileiro às forças democrático-burguesas, que nunca deixaram de controlar o navio, apenas o dirigiram à distância.

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